A Umbanda nos Anos 70 - Tenda de Umbanda Luz e Caridade - Tulca

23/03/2018

A Umbanda nos Anos 70

A umbanda nos anos 70


UM RESGATE NA HISTÓRIA!

Hoje, tenho 40 anos; ao final dos anos 70, ainda era pequena. As lembranças, porém, são muitas: o que vestíamos, o que víamos na tv, as músicas de sucesso… Foi uma década meio kitsch, mas que imprimiu grandes mudanças na nossa cultura e na nossa sociedade.

Agora umbandista, resgato memórias daquela época que, embora gravadas até hoje, dormiam no sótão mental, num baú meio esquecido. Tentei juntar essas memórias com dados que encontrei em diversas fontes, para assinalar o intrigante destaque conferido à Umbanda nesse período; o fenômeno, que marcou os anos 70, merece um olhar mais atento: a cultura, em diferentes formas de manifestação, ofereceu terreno incomparável para a divulgação – e por que não dizer – para a assimilação da doutrina umbandista no Brasil. Um exemplo se encontra nos registros da Confederação Umbandista do Paraná, informando a criação de inúmeras tendas de Umbanda na região de Curitiba.

A música abrindo horizontes

Naquele tempo (já estou parecendo uma anciã, rsrs), a música nacional era algo bem diferente do que ouvimos hoje; os sucessos não eram tão efêmeros (tem música que até hoje não aguento ouvir, de tanto que as rádios nos saturaram); letras e melodias eram impressas na nossa mente… pra não sair nunca mais! é só alguém cantarolar umas frases desses sucessos antigos, e a gente acaba lembrando a letra toda (e ainda fica horas com a musiquinha grudada na cabeça).

Começamos com a inesquecível Clara Nunes – a mineira Clara Francisca Gonçalves Pinheiro - com suas canções de arrepiar: A Deusa Dos Orixás (“Iansã, cadê Ogum? Foi pro mar/ Mas Iansã, cadê Ogum? Foi pro mar…”), Tributo Aos Orixás (“Neste terreiro em festa/ Entre mil adobás/ Prestamos nosso tributo/ Aos Orixás”), Aruandê... Aruandá... (“Saravá Pai Joaquim/Proteção a vida inteira”), Oxum Areia Branca (“Oxum, quando canta na beira do rio/ Faz um peixe ciscar na areia”)… e tantas pérolas mais; a ausência física tão precoce da “Cabocla Guerreira” deixou muita saudade, mas seu legado marcou minha geração. Seu marido, Paulo César Pinheiro, compôs um repertório inspirado, imortalizado na voz de Clara e de outras estrelas da música, como Carlos Lyra e João Nogueira (adoro aquela voz graaaave).

Mencionando Vinícius de Moraes e seus parceiros, podemos mencionar composições como: Canto De Iemanjá (“Iemanjá, lemanjá/ lemanjá é dona Janaína que vem...”); aliás, a versão contemporânea, gravada por Virgínia Rodrigues, é um arraso; Canto De Ossanha (“Amigo sinhô/ Saravá/ Xangô me mandou lhe dizer/ Se é canto de Ossanha, não vá/ Que muito vai se arrepender”); Meu Pai Oxalá (“Meu Pai Oxalá é o rei/ venha me valer…”); O Canto De Oxum (“Oxum era rainha/ Na mão direita tinha/ O seu espelho onde vivia/ A se mirar”)….

Também temos nomes como Baden Powell (seu “Afrosambas”, com Vinícius, é imperdível), Nei Lopes (seu “Novo Dicionário Banto do Brasil” é uma das referências do glossário que está neste blog), Benito di Paula (eu achava o máximo aquele visual, rsrsrs), Ruy Maurity(sensacional… que tal “Xangô, o Vencedor”? “Por detrás daquela serra/ Tem uma linda cachoeira/ É de meu pai Xangô/ Que arrebentou sete pedreiras…”), João Donato, Sidney da Conceição… Não podemos deixar de mencionar, ainda, a contribuição de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia, embora mais dedicados aos orixás dentro da orientação do Candomblé. O compositor J. B. de Carvalho, conhecido por gravar e compor pontos de Umbanda desde a década de 30, fez declarações bombásticas em entrevistas nos anos 70 (tanto na TV quanto no periódico “Gira de Umbanda”), acusando nomes como Ruy Maurity e Martinho da Vila de plagiarem trabalhos seus. Quanto ao Martinho, compôs e/ou gravou uma série de músicas, como Deixa a Fumaça Entrar (“Já botei casca de alho/Alfazema, benjoim, alecrim/ Esse meu defumador/ Está em ponto de bala/ Tem segredos de alguém/ Que sofreu lá na senzala”.), Festa de Umbanda (do famoso disco Canta, Canta, minha gente, de 1974) e tantas outras.

E quem se lembra dos Tincoãs? Admito que só conheci o trabalho do grupo agora, garimpando material na internet; é uma pena que hoje só se encontram gravações do grupo em blogs e softwares de compartilhamento. O som é beeeem anos 70, um barato. Encontrei um ótimo vídeo no You Tube, com a participação de dois remanescentes numa apresentação da Margareth Menezes: muito bom!!

Em paralelo aos grandes nomes da música, observamos, também, uma profusão de outros nomes e obras – ambos um tanto obscuros. Gravadoras de porte, na época, como a Continental, a Odeon e a CBS, ostentavam inúmeros LPs de artistas hoje desconhecidos, como “Maria Bonita”, “Marcus Pereira” e até mesmo um tal “Chico Xavier” – não, não era um LP gravado pelo nosso querido Francisco Cândido Xavier, mas uma obra de composições tecnicamente limitadas, gravadas por alguém que se apresentava com esse epíteto, na esteira da popularidade do médium famoso.

Parênteses para Tia Neiva

A sergipana Neiva Chavez Zelaya, católica, passou a apresentar manifestações mediúnicas por volta dos 32 anos. Acabou formando uma comunidade religiosa que terminou por se estabelecer em Planaltina, no Distrito Federal; em 1969, fundou o conhecido Vale do Amanhecer, que congregava médiuns e auxiliares numa organização complexa, prestando atendimento de caridade a inúmeras pessoas. Esclareço que não se trata de uma comunidade umbandista – aliás, segundo um de seus adeptos, é uma “ciência espiritualista”, que conjuga contribuições do Catolicismo, do Espiritismo e mesmo alguns elementos da Umbanda, como a presença de Pai Seta Branca, Cabocla Jurema e entidades da linha de Caboclos e Pretos-Velhos. A menção à Tia Neiva se dá por conta do destaque que lhe foi conferido no auge das atividades do Vale, que recebe, até hoje, milhares de consulentes por semana.

A televisão – uma imagem vale mais que mil palavras

Anos depois de Yara Lins e Lolita Rodrigues apresentarem a TV Tupi ao Brasil, em 1950, o aparelho de TV agregava as famílias (e os vizinhos sem-tela) para assistir ao noticiário, às novelas e aos programas de auditório - diversão garantida e fonte de assunto para os bate-papos do dia seguinte.

Era muito pequena, e com certeza já devia estar na cama enquanto os brasileiros assistiam ao programa Pinga-Fogo; exibida pela TV Tupi entre 1955 e o início dos anos 80, a atração ficou famosa por convidar pessoas ilustres e/ou polêmicas para enfrentar, ao vivo, um time de entrevistadores e perguntas do público. Em julho de 1971, Chico Xavier compareceu para uma participação prevista pra durar uma hora… e acabou chegando a três!! (se a TV de hoje tivesse essa flexibilidade…). O impacto do programa foi tamanho que, cinco meses depois, Chico foi convidado para nova apresentação – com direito a estender novamente o tempo, psicografia ao vivo, gente chorando na platéia e tudo o mais. O livro “As Vidas de Chico Xavier”, de Marcel Souto Maior, conta como foi essa aventura, na visão do Chico. Os dois programas estão disponíveis para aquisição em DVD, e acho que todo mundo deveria ver: é emocionante!

Se não vi o Pinga-Fogo, lembro-me vagamente do programa do Flávio Cavalcanti. Aquela expressão carrancuda, os ternos escuros e os óculos de armação grossa e pesadona me davam um medaço… definitivamente, não era minha diversão predileta - rsrsrs. Não cheguei a assistir à apresentação de Cacilda da Silva. Considerada médium famosa, também era compositora musical e apresentadora de programa de rádio. Dizia receber a entidade Seu Sete da Lira, um Exu, desde a adolescência. Com o tempo, giras que contavam com sua presença chegavam a contar com centenas de pessoas, fosse pelas histórias de curas fantásticas, pela indumentária extravagante, pelo consumo de uma quantidade absurda de aguardente ou mesmo pelo papel meio hipnótico desempenhado pela música – bastante heterodoxa para uma gira que se dizia de Umbanda, como “Pra Seu Sete/ câncer virou catapora…” (!)

A história acabou tão famosa que a médium foi convidada a participar de dois programas de TV no mesmo dia – e foi. Em 29 de agosto de 1971, no programa Flávio Cavalcanti, na TV Tupi, Seu Sete se manifestou… a seguir, uma multidão formada por pessoas da platéia, contra-regras, assistentes de palco – e até inúmeros telespectadores, em suas casas! – acabou desmaiando, entrando em transe ou “incorporando” entidades espirituais.

Em seguida, a médium rumou para o programa Buzina do Chacrinha, na Rede Globo. O fenômeno se repetiu: entraram em transe operadores de câmera, cantores, público, o povo de casa e até chacretes (fico imaginando a cena), diante de um Chacrinha perplexo.

O “fervo” chocou o Brasil. Nos dias seguintes, a imprensa fez furor, os responsáveis pelo Departamento de Censura apreenderam os vídeo-tapes dos programas e o governo ameaçou cassar as concessões das emissoras e proibir a exibição de programas ao vivo. A Igreja Católica, através de instâncias como a CNBB, fez críticas duras e indignadas ao que chamou de “atividades pseudo-religiosas” exercidas por “indivíduos sem escrúpulos” e exigiu providências. Diz a lenda que a repercussão do caso só não trouxe consequências mais graves porque até a Primeira-Dama, Dª Cyla Médici, estava assistindo aos programas junto com o Presidente da República… e incorporou uma entidade, que o advertiu a deixar as coisas como estavam. Não sabemos se o que aconteceu foi uma manifestação mediúnica, uma mistificação ou qualquer outra coisa. Até autoridades reconhecidas no meio umbandista divergiram, na época. Fato é que o fenômeno deve ter causado um impacto na sociedade brasileira que nem podemos imaginar.

Já em 1978, a novela “O Profeta”, de Ivani Ribeiro, fez grande sucesso. A autora contava com a assessoria de sacerdotes católicos, umbandistas e de dirigentes espíritas para escrever o texto. O ator João Acayabe dava vida ao Pai Romão, dirigente do “Templo Espiritualista de Umbanda São Benedito”, embora descrito por alguns críticos como um templo Candomblecista. A personagem da atriz Yolanda Cardoso conduzia outras pessoas para consultas espirituais e até Chico Xavier e D. Paulo Evaristo Arns deram uma canja!

Acredito que ainda haja muito material referente à larga divulgação da Umbanda durante os saudosos anos 70. Os leitores que tiverem lembranças ou registros estão convidados a participar e deixar seus comentários. Saravá a todos!

Pesquisado por Estela
Referências:
http://www.mpbnet.com.br/index.html
http://www.veja.com.br/acervodigital/
http://acervoayom.blogspot.com/2009/05/sete-rei-da-lira-1971.html
http://www.terra.com.br/planetanaweb/flash/paranormal/propriedadesastrais/valeamanhecer4.htm
http://www.povoypuena.org.br/index2.php?url=vale.php
http://www.tudosobretv.com.br/
http://www.millarch.org/





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