A origem da sociedade humana, como a conhecemos atualmente, ocorreu a partir do momento em que o Homem passou a dominar o fogo. Antes do domínio do fogo, o Homem vivia de maneira similar às demais espécies animais, com uma incipiente capacidade de comunicação e com uma pequena organização social – reflexos de um intelecto pouco desenvolvido. A partir do domínio do fogo o cérebro humano desenvolveu-se abruptamente, proporcionando um salto qualitativo na nossa vida.
Fogo na Natureza
Antes das técnicas de controle e propagação do fogo, o Homem estava sujeito a ter e utilizar esse elemento apenas quando ocorriam queimadas por causas naturais, especialmente pelas descargas elétricas dos raios.
O domínio do fogo permitiu inúmeros avanços, dentre os quais: possibilitou que os grupos familiares estivessem ativos durante a noite; permitiu o preparo de alimentos e bebidas; foi usado em caçadas e no afugentamento de animais e grupos rivais; passou a ser empregado na agricultura e pecuária, servindo para limpeza de áreas; e foi amplamente empregado na fundição de metais. Além da grande importância do fogo através de seus múltiplos usos na atividade prática do dia-a-dia do Homem deve-se considerar também um outro aspecto extremamente relevante em relação ao fogo e a História da humanidade, que se trata de seu valor simbólico para diferentes povos e culturas.
O fogo não fala aos animais, mas, fala ao homem. Ante o fogo, o animal se espanta e foge, mas o homem espanta-se e aproxima-se. É que entre ele e o fogo, há alguma coisa que os irmana. Em todos os povos, o fogo é objeto de culto, e do culto mais profundo. É o homem o único ser que se apropria do fogo e o domina, sem dominá-lo. Misto de bem e de mal, o homem dirige-o apenas buscando-lhe o bem que ele oferece. E a lenda de Prometeu expressa bem a significação que o fogo tem, na formação do próprio homem. Os raios solares, fonte da vida, encontram no fogo algo que se lhes assemelha. A luz solar ilumina a terra e o fogo também ilumina, embora em grau menor. O fogo é assim o símbolo do sol, que é o símbolo do Ser Supremo.
O culto do fogo encontramo-lo em todos os povos, nos lares, nas lareiras dos romanos, nas nossas noites de São João, em todos os rituais à volta do fogo, dos diversos povos. É a chama mantida pelas vestais, a chama dos lares, que simboliza a família. E a casa em que o fogo morreu e se extinguiu, perdeu a sua potência, por isso ainda conservamos, sem bem compreender o seu significado, o fogo aceso nas igrejas, as piras dos atletas, as velas acesas dos templos, como encontramos também as flamires dos romanos, a vesta, o fogo do Estado, cujas sacerdotisas, as vestais, amparavam e serviam.
O fogo do lar recebe seu culto por motivos sociais. É considerado como um ser de natureza superior, ao qual se oferecem também oferendas de alimentos, e o qual era conservado com respeito, e honrado com cerimônia, sobretudo nas festas de casamento, onde devia acender-se o fogo de um novo lar. O culto do fogo, como grande força elementar, parece que não é separável do culto ao sol, até tal ponto que as festas do sol e da vida eram ao mesmo tempo festas do fogo. O culto restante compreendia o sol e o fogo, e a cerimônia do novo fogo, mediante a fricção das madeiras, verificava-se especialmente nas festas dos solstícios.
Nos gregos, há Apolo como o deus originário da luz e do fogo, que era venerado numa labareda sobre um trípode e que servia para se fazerem os oráculos, como entre os persas. Também era considerado protetor do fogo do lar, da cidade, das colônias e também dos rebanhos.
Hefaístos, nos gregos, era o deus do fogo material e do fogo da forja. A Héstia, deusa do fogo, particularmente do lar, também protetora do fogo da cidade e do Estado, eram dadas oferendas, antes e após cada sacrifício.
Corresponde-lhe, nos romanos, o deus Vulcano, deus do fogo, da forja, do incêndio, do fogo destruidor, mas também da família, do Estado, do lar. Sobre a família e o Estada pela Vesta, servida pelas virgens vestais, as encarregadas do fogo sagrado, da cidade e do Estado.
Entre os germânicos, a figura misteriosa e dúplice de Loki, mais próxima a Vulcano do que a Agni-Apolo, por seu caráter vivo e astuto, apresenta uma nota especial, que se explica pela influência da figura cristã de Lúcifer.
Flechas incendiárias eram atiradas em direção ao sol por ocasião de um eclipse, o que revela um desejo de domínio mágico do sol, entre tribos peruanas.
Há tribos árabes que acendem as fogueiras e saltam, repetindo o salto sete vezes. Além de julgarem o fogo purificador, também usam as cinzas das fogueiras como benéficas, e passam-nas pelo corpo e cabeça.
No Zoroastrismo, o fogo é um símbolo da sabedoria e luz divina. Os templos religiosos do Zoroastrismo, onde se desenrolam as cerimônias e se celebram os festivais próprios da religião, são conhecidos como Templos de Fogo. Os Templos de Fogo mais importantes do Irão e da Índia mantêm uma chama de fogo sagrado a arder perpetuamente.
Uma outra história, de origens helênicas, é a da ave Fênix, que sem o fogo não poderia nunca ressurgir das cinzas e voltar para a cidade de Heliópolis.
Na doutrina Hindu, que lhe confere fundamental importância. Agni, Indra e Surya são os fogos dos mundos terrestre, intermediário e celeste (ou seja, o fogo comum, o raio e o Sol). Além disso, existem ainda dois fogos: O da penetração ou absorção (Vaishvanara), e o da destruição (outro aspecto de Agni.).
Os taoístas entram no fogo para liberar-se do condicionamento humano, apoteose a propósito da qual não se pode deixar de evocar a Elias, e sua carruagem de fogo ou São Martinho que diz; “O Homem é fogo, sua lei, como a de todos os fogos é a de dissolver (seu invólucro) e unir-se ao manancial do qual está separado”.
O Candomblé apresenta dentre as suas inúmeras divindades (Orixás), uma forte relação com os elementos da natureza: ar, terra, água e fogo. Xangô (mais popular entidade do Candomblé) é miticamente um rei, alguém que cuida da administração, do poder e, principalmente, da justiça. Ele tem o fogo como seu principal elemento natural. Os adeptos do Candomblé realizam inúmeras festividades ao longo do ano, muitas das quais, em presença de fogueiras e chamas.
Na Bíblia Sagrada, existem dezenas de referências ao fogo, muitas das quais o tratando de forma simbólica. Uma das mais marcantes referências do fogo na Bíblia trata-se da sua associação à presença Divina na vida do cristão. Logo após a crucificação e ascensão de Cristo aos céus os apóstolos permaneceram reunidos em oração. Naquele momento de intensa devoção todos foram cheios da presença do Espírito Santo que estava manifesto sobre suas cabeças como pequenas labaredas de fogo (ver Atos dos Apóstolos 02: 2-4).
O símbolo do fogo purificador e regenerador desenvolve-se do Ocidente ao Japão. A liturgia católica do fogo novo é celebrada na noite de Páscoa (Para quem não viu recomendo a Missa no Mosteiro dos Beneditinos que começa às 22 Horas do Sábado de Aleluia). A do Xintó (Japão) coincide com a renovação do Ano. Há ainda as línguas de fogo do Pentecostes.
O Alquimista, que fabrica a imortalidade à chama de seu fornilho, que deve ser compreendido como o fogo do cadinho interior, que corresponde ao plexo solar e ao manipura-chakra, que os iogues colocam sob o signo de fogo. Esse é o fogo que não queima do hermetismo ocidental, ablução, purificação alquímica simbolizada pela Salamandra.
O Buda substitui o fogo sacrifical do hinduísmo pelo fogo interior, que é ao mesmo tempo, conhecimento penetrante, iluminação e destruição do invólucro: Atiço em mim uma chama… Meu coração é a lareira e a chama é o Self (eu) domado. Os Upanixades asseguram, paralelamente, que queimar pelo lado de fora não é queimar. Daí o símbolo da Kundalini ardente na Ioga hindu, e o do fogo interior no tantrismo tibetano.
O Aspecto destruidor do fogo implica também evidentemente, um lado negativo; e o domínio do fogo é igualmente uma função diabólica. A propósito da forja, deve-se observar que seu fogo é a um só tempo celeste e subterrâneo, instrumento do demiurgo e de demônio. A queda de nível é representada por lúcifer. Portador da Luz celeste, no momento que é precipitado nas chamas do inferno; fogo que queima sem consumir embora exclua para sempre a possibilidade de regeneração.
Nas tradições celtas tem-se, a respeito do fogo como elemento ritual e simbólico, somente informações indiretas. Na Irlanda por exemplo, os textos fazem menção unicamente a festividade denominada Beltane , que se realizava no 1º de maio, data que marca o início do verão naquele local. Nessa ocasião, os druidas acendiam grandes fogueiras – o Fogo de Bel – (adaptado pela Igreja para Belzebu) e faziam passar o gado por entre elas, a fim de preservá-lo das epidemias. Mais tarde, essas fogueiras druídicas foram substituídas pela de São Patrício (O Grande Apóstolo Missionário da Irlanda, que segundo a história, teria acendido na véspera da Páscoa uma fogueira em Uisnech, região Centra do País, em desafio as praticas pagãs da época), signo que marcou decisivamente, o posterior prevalecimento do Cristianismo. César, no de Bello Gallico faz referencia a grandes manequins* de vime, dentro dos quais os gauleses costumavam encerrar homens e animais e em seguida atear fogo. (Alguma referencia ao Judas do Sábado de Aleluia? Ou a fogueira da inquisição?). A interpretação dos costumes gauleses é incerta e até hoje, mal estudada, porém, no caso da Irlanda, o simbolismo é visivelmente solar. É a Páscoa dos Pagãos.
Os inumeráveis ritos de purificação pelo fogo, em geral ritos de passagem – São característicos das culturas agrárias. Com efeito, simbolizamos incêndios dos campos que se adornam, após a queimada, com um manto verdejante de natureza viva e renovada.
O Fogo, nos ritos iniciáticos de morte e renascimento, associa-se ao seu principio antagônico, a Água. A Purificação pelo fogo, portanto é complementar à purificação pela água, tanto no plano micro cósmico (ritos iniciáticos) quanto no plano macro cósmico (mitos alternados de dilúvios e de grandes secas ou Incêndios). O Fogo, portanto é, sobretudo o motor da regeneração periódica.
Certos ritos crematórios têm como origem a aceitação do fogo na qualidade de veiculo ou mensageiro entre o mundo dos vivos e dos mortos. Assim na ocasião de certas festividades comemorativas de um falecimento, os Teleutas dirigem-se em procissão ao cemitério, onde duas fogueiras, uma à cabeceira do ataúde, e outra junto à base. Os Cristãos acendem velas.
Dionísio o Areopagita, dizia que o fogo era a melhor imagem dos seres celestiais, ou a menos imperfeita de suas representações ele dizia: “A teologia, como se pode constatar situa as alegorias extraídas do fogo, quase acima de todas as demais”. Observarás, efetivamente, que ela não nos apresenta apenas a representação de rodas inflamadas, espadas flamejantes portadas por Seres Celestiais, Carruagens de fogo, a de Homens de certo modo, fulgurantes, e que ela imagina em torno das essências inferiores, amontoadas de brasas escaldantes, e rios de lava, trazendo fogo em seu caudal, em meio a um ruído atroador. Ela afirma, além disso, que os troncos também são escaldantes e invoca a etimologia da palavra Serafim para declarar que essas inteligências superiores são incandescentes para atribuir-lhes as propriedades e os atributos do fogo.. No todo, quer se trate do alto ou da parte mais baixa da hierarquia, suas preferências inclinam-se sempre para as alegorias extraídas do fogo. Parece-me que a imagem do fogo seja, efetivamente, a que melhor pode revelar a maneira pela qual as inteligências celestes se adaptam a Deus. E por isso tantos santos teólogos descrevem tantas vezes sob forma incandescente essa Es sência sobrenatural que escapa a qualquer figuração, e é essa forma que fornece mais de uma imagem visível daquilo que apenas ousamos chamar de propriedade teárquica.
Assim como o Sol, pelos seus raios, o fogo simboliza por suas chamas a ação fecunda, purificadora e iluminadora. Mas também um aspecto negativo: obscurece e sufoca, por causa da fumaça, queima devora e destrói: o fogo das paixões, do castigo e da guerra. O fogo terrestre simboliza o intelecto, a consciência, com toda sua ambivalência. A Chama, a elevar-se para o céu, representa o impulso em direção a espiritualização. O Intelecto, em sua forma evolutiva, é servidor do espírito.
Mas a chama também é vacilante, e isso faz com que o fogo também se preste a representação do intelecto quando esse se descuida do espírito. Lembremos-nos de que o espírito, nesse caso, deve ser entendido no sentido de supra-consciente. O fogo, fumegante e devorador, numa antitese completa da chama iluminadora, simboliza a imaginação exaltada(supertições)… o subconsciente soberbo(Vaidade)… a cavidade subterrânea(Depressão)… o fogo infernal… o intelecto em sua forma revoltada: em suma, todas as formas de regressão psiquica.
O fogo, na qualidade de elemento que queima e consome é também símbolo de purificação e de regeneração. Reencontra-se, pois, o aspecto positivo da destruição: Nova inversão do símbolo, que se desdobra em múltiplas ambivalências. Todavia, a água é também purificadora e regeneradora. Mas o fogo distingue-se da água porquanto ele simboliza a purificação pela compreensão, até a mais espiritual de suas formas, pela Luz e pela verdade; ao passo que a água simboliza a purificação do desejo, até a mais sublime de suas formas – a bondade.
Sandro Dennis